Estratégia 2010-2015
O conceito de ED nasceu da convergência entre perspectivas teóricas e agendas de intervenção centradas no combate às desigualdades estruturais de poder e de riqueza, à escala planetária, e aos mecanismos que as alimentame perpetuam. Esse processo, protagonizado pelas ONGD como suporte do seu trabalho emprol da uma tomada de consciência daquelas desigualdades e da responsabilidade de todos e todas na sua superação, teve a sua génese na Europa e consolidou-se numa perspectivamuito marcada pelo contexto europeu.
Na origem da ED está uma trajectória de mudança, quer no universo da educação, quer no do desenvolvimento. No primeiro, afirmou-se a complementaridade entre educação formal e não formal e foi-se conferindo uma importância crescente às metodologias participativas no trabalho educativo. Por seu lado, o desenvolvimento deixou de ser entendido como pura caminhada material de aproximação dos mais pobres ao volume de riqueza e aos modelos de vida dos mais ricos, para passar a ser assumido como a adopção de exigências comuns de equilíbrio e coesão social, de valorização de princípios de participação e de dignidade de todos e todas, e de sustentabilidade justa.
Nas últimas quatro décadas, registou-se um distanciamento crescente relativamente aos modelos de desenvolvimento dominantes e a compreensão de que “desenvolvimento” e “subdesenvolvimento” não são mais, afinal, do que dois rostos de uma mesma relação de poder. E sublinhou-se também a percepção da dimensão histórica dessa relação,marcada por diferentes contextos ao longo do tempo (colonialismo, neocolonialismo, globalização). Surgiram como temas e dinâmicas centrais a globalização e suas consequências nos sistemas de bem-estar, não só no Sul como no Norte, e a importância dos indivíduos e das redes sociais na monitorização e na implementação de estratégias alternativas às dos Estados.
O processo de afirmação da ED pode ser simplificadamente sintetizado em duas grandes etapas34.
A primeira constitui o que se poderia designar por “pré-história da ED” e agrega as décadas de 50 e 60 do século XX. Esse período foi marcado pela passagem gradual de uma perspectiva pré-desenvolvimentista para uma perspectiva desenvolvimentista. O que une todo este período de pré-história da EDé a falta de uma orientação sistemática para a problemática do desenvolvimento nos diferentes níveis do trabalho educativo. A natureza pontual (ou, na melhor das hipóteses, transitória) atribuída aos problemas do “subdesenvolvimento” e a lógica assistencial ou correctiva da “ajuda” dos paísesmais ricos obstarama uma reorientação de fundo do conjunto das políticas educativas ou das dinâmicas de educação não formal destes países.
Foi isso quemudou, no essencial, coma entrada dos anos 70. Desafiada a partir de dentro do universo de reflexão sobre a educação – comdestaque para o repto de Paulo Freire a pensar a educação como factor de transformação social e guiada por um princípio de participação social – e a partir de fora desse universo – designadamente pela teoria da dependência e pela sua denúncia do carácter estrutural das assimetrias entre centro e periferia –, a educação no seu todo viu-se confrontada com a opção entre assumir-se como veículo perpetuador de desigualdades em escala mundial, ou como instrumento de combate a essas desigualdades. A emergência do conceito de ED foi, ela própria, a respostamais clara a esta opção. Todavia, de então até hoje, fez-se umcaminho complexo de incorporação de focagens e demetodologias diferentes, que foram construindo e reconstruindo o próprio conceito de ED.
Após a Guerra Fria, novas oportunidades surgirampara sublinhar a importância da sociedade civil e dos indivíduos nas estratégias de educação para o desenvolvimento, reconhecendo que o desenvolvimento não é assunto apenas dos Estados, mas deveria ter acima de tudo como fim o bem-estar e a justiça das comunidades e de cada ume de cada uma. Surgiu, neste contexto, o conceito de Desenvolvimento Humano, definido em 1990 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), no seguimento das teses de Amartya Sen. Passa-se de uma lógica de resposta a necessidades para uma lógica assente num processo de expansão de liberdades e de capacidades. Neste contexto, torna se hoje mais clara a responsabilidade dos próprios países do Sul, a começar pelas respectivas elites, na ruptura comosmecanismos sociais e políticos que animam localmente a perpetuação da pobreza.
Como resultado de todo este percurso, a ED passou a assumir como principais pilares os seguintes: a compreensão da interdependência em escala global; a leitura crítica dos modelos de desenvolvimento; a tradução destas em competências cognitivas, mas também sociais e éticas; e a coerência entre as finalidades pretendidas e os meios usados para as alcançar (Mesa, 2000: 11). Por outro lado, progressivamente, a ED abriu-se à interacção comoutras “educações para…” – como a educação para a paz ou a educação intercultural – e à incorporação de uma agenda mais complexa, marcada por novos desafios éticos e sociais, como a sustentabilidade assumida enquanto interligação das dimensões social, económica e ambiental, a exigência de justiça no comércio e de consumo responsável, o combate a todas as discriminações e a vivência da interculturalidade.
34 - A leitura em duas grandes fases históricas, proposta neste documento, não pretende colidir, antes interagir, comoutras formas de “arrumação” do desenvolvimento histórico da ED mais comuns, como a que sugere a sequência de cinco fases ou gerações: a caritativa e assistencialista (décadas de 40 e 50), a “desenvolvimentista” (década de 60), a crítica (década de 70), a etapa do desenvolvimento humano e sustentável (anos 80) e a etapa actual, centrada na noção de cidadania global.