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Estratégia 2010-2015

As diferentes “educações para…"

  • A Educação para a Paz emergiu no pós-Segunda Guerra Mundial com o propósito de contribuir, por meio de modelos educativos, para a prevenção da guerra, comprometendo-se com uma agenda vocacionada para o desarmamento40. Com a evolução dos Estudos para a Paz e a confluência de vários movimentos sociais com a agenda pacifista (movimentos pelos direitos civis, ambientalistas e feministas), a Educação para a Paz passou a contemplar outras formas de violência social, em particular o racismo, o sexismo e a degradação ambiental, dedicando-se à análise das suas causas e expressões, com o objectivo de sensibilizar, informar e promover uma cultura de compromisso com a paz, assente na recusa de toda e qualquer forma de violência41.

  • A Educação para os Direitos Humanos surgiu, num primeiro momento, como expressão de denúncia das violações das liberdades individuais. Esta agendaminimalista foi-se alargando progressivamente,a par com o reconhecimento gradual da natureza ampla e mutável dos direitos humanos, passando a abranger a defesa dos direitos económicos e sociais (à saúde, à educação, à segurança alimentar, ao trabalho, à habitação condigna) e dos direitos dos povos, grupos identitários e dasminorias. O reconhecimento internacional da importância da Educação para os Direitos Humanos é patente no destaque atribuído a esta “educação para…” na Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, que teve lugar em Viena em 1993, e o subsequente estabelecimento da Década das Nações Unidas para a Educação para os Direitos Humanos (1994-2004).

  • A Educação Ambiental e a Educação para o Desenvolvimento Sustentável, a primeira, inicialmente orientada para a preservação do meio ambiente, caracteriza-se hoje pela sensibilização e acção em prol da compatibilização da relação das sociedades humanas com o meio ambiente, visando a promoção de uma abordagem colaborativa e crítica das realidades socioambientais e de compreensão aprofundada dos problemas que se afiguram e das soluções possíveis para estes, numa perspectiva de bem-estar social e de sustentabilidade42. As Nações Unidas declararamo decénio 2005-2014 como a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, no seguimento das recomendações das Cimeiras do Rio (1992) e de Joanesburgo (2002), tendo atribuído à UNESCO a responsabilidade de coordenar a elaboração do respectivo programa de acção, que cada país adaptará às suas próprias necessidades. Segundo a Comissão Nacional da UNESCO, trata-se de “uma iniciativa ambiciosa e complexa, assente na visão de ummundo no qual todos tenham a oportunidade de aceder a uma educação e adquirir valores que fomentem práticas sociais, económicas e políticas de sustentabilidade (…) superando assim efeitos perversos que vão desde a destruição ambiental até àmanutenção/agravamento da pobreza.”43

  • A Educação Intercultural partiu, primeiramente, da afirmação da possibilidade e valorização de umdiálogo positivo entre crenças, culturas, identidades e grupos sociais que estão empermanente transformação. Posteriormente, radicou-se na consciência e reconhecimento da multiculturalidade a uma escala superior, no quadro da globalização, de crise do desenvolvimento e de intensificação dos fluxos migratórios, defendendo a reflexão crítica sobre a nossa experiência, contexto e relações de poder, tendo em vista a desocultação das premissas do saber e do agir, bem como a promoção de justiça social para todas as pessoas, independentemente da origem e identidade, de combate à discriminação, de práticas mais inclusivas e de reforço dos dispositivos de participação democrática44. Para Fernand Ouellet (1991)45, o conceito de educação intercultural designa toda a formação sistemática que visa desenvolver, quer nos grupos maioritários, quer nos minoritários: a) uma melhor compreensão das culturas nas sociedades modernas; b) uma maior capacidade de comunicação entre pessoas de culturas diferentes; c) atitudes mais adaptadas ao contexto da diversidade cultural, através da compreensão dos mecanismos psicossociais e dos factores sociopolíticos capazes de produzir racismo e xenofobia; d) umamaior capacidade de participar na interacção social, criadora de identidades e de sentido de pertença comumà humanidade.

  • A Educação para a Igualdade de Género reclama a inclusão de uma perspectiva de género em todos os contextos das sociedades. Procura chamar a atenção para as desigualdades de poder entre os sexos manifestadas em formas e escalas distintas nas estruturas sociais, culturais e económicas das sociedades. Assume, para isso, os princípios da coeducação e de uma real internalização da perspectiva de género ao nível da cultura organizacional, das práticas pedagógicas e das interacções sociais. Isto significa que tem em consideração os condicionalismos da socialização de género na construção da identidade individual e colectiva de crianças e de jovens, nas suas opções e nos seus projectos de vida, independentemente das suas reais potencialidades e aspirações, procurando desenvolver, junto de raparigas e de rapazes, as competências necessárias às esferas da vida privada e da vida pública, à construção de relações de reciprocidade, à partilha dos recursos e à co-responsabilidade em todos os sectores da vida social e, logo, à transformação das relações desiguais entre os sexos, de forma a garantir que, quer homens, quer mulheres, disponham das mesmas oportunidades de realização e de acesso ao poder, aos recursos e ao reconhecimento.

  • A Educação Global, cunhada, pela primeira vez, pelo Centro Norte-Sul do Conselho da Europa, em 1989, pode definir-se enquanto modelo de aprendizagem holística e transformativa que pretende “abrir os olhos e mentes das pessoas para as realidades do mundo e despertá-las no sentido de promoveremmaior justiça, equidade e direitos humanos para todos”46, abrangendo a educação para o desenvolvimento, educação para os direitos humanos, educação para o desenvolvimento sustentável, educação para a paz e educação intercultural. A educação global assenta em três etapas consecutivas e interdependentes: a análise da situação mundial, a identificação de alternativas aos modelos dominantes e a construção de um processo de mudança rumo a uma cidadania global responsável, radicado numa cultura de parceria.47

  • A Educação para a Cidadania Global parte, por um lado, de um entendimento amplo da cidadania, o que significa ir para além das fronteiras dos Estados e ser uma proposta ética e política fundada na compreensão do mundo global ao qual pertencemos, na interligação existente entre local e global. Por outro lado, valoriza a dimensão humanizadora da educação através de uma abordagem crítica e dialógica do processo de aprendizagem, que valoriza o saber de todos e todas e estimula a diversidade de formas de compreensão da realidade. Embora reconheça na escola um protagonismo institucional e pedagógico essencial, interpela transversalmente a sociedade, no sentido da construção de um mundo mais justo, equitativo e solidário.48

  • A Educação para “Aprender a Viver Juntos”, definida pela UNESCO, procura desenvolver a compreensão do outro e a percepção das interdependências, através da realização de projectos comuns e da preparação para a gestão de conflitos, no respeito pelos valores do pluralismo, de compreensão mútua e da paz. Defende-se que a educação deve utilizar duas vias complementares. Num primeiro nível, a descoberta progressiva do outro. Num segundo nível, e ao longo de toda a vida, a participação em projectos comuns, como um método eficaz para evitar ou resolver conflitos latentes. A educação tem, neste contexto, por missão, por um lado, transmitir conhecimento sobre a diversidade da espécie humana e, por outro, levar as pessoas a tomar consciência das semelhanças e da interdependência entre todos os seres humanos.

Aspectos comuns e especificidades da ED

É importante destacar a centralidade da definição da ED enquanto processo de aprendizagem, significando isto que não é meramente um “evento”, um “acto isolado”. A ED implica continuidade, contemplando não só sensibilização, mas também reflexão, formação e acção – ou seja, a dimensão educativa é central e não acessória. Este processo de aprendizagemtemcomo base determinados valores e compromete- se com a formação integral das pessoas. É ainda um processo de auto-reflexividade, que leva ao questionamento não só sobre os outros, mas também sobre nós próprios. Esta abordagem pedagógica, a formação com base em valores e a auto-reflexividade são aspectos que a ED comunga com as outras “educações para…”.

Este processo de aprendizagem, quando pensado em termos de ED, tem, no entanto, como especificidade a sua agenda (conteúdos) e respectivo enquadramento. Desde logo, porque essa especificidade reside na centralidade conferida às realidades e percepções do Sul ou das periferias, não como entidades isoladas de um sistema, mas como parte de um sistema de interdependência Norte-Sul ou centro-periferia. Esta centralidade, porém, não significa que a ED não seja aplicada ou aplicável sobre os contextos dos suis no Norte. A ED preocupa-se em desvendar as causas estruturais dos problemas globais e locais, das desigualdades e das injustiças, assumindo que estas não são naturais ou inevitáveis. Isto leva-nos a outra especificidade da ED, que está no peso importante que dedica ao próprio questionamento do desenvolvimento, tanto na sua vertente teórica como prática (conceitos, estratégias e formulação de políticas).

A ED partilha com outras “educações para…” o objectivo geral da transformação social e da educação para determinados valores, procurando transformar convicções e atitudes, tanto a nível individual como colectivo. Assim como também partilha algumas das metodologias: privilegia a participação, a horizontalidade, a construção colectiva e cooperativa do conhecimento e da acção. Por isso é também comum o facto de os âmbitos de actuação não se limitarem apenas à educação formal, mas abrangerem também a não formal e, eventualmente, a informal. Este conjunto de “educações para…” baseia a reflexão e a acção na coerência entre teoria e prática, entre conteúdo e forma, entre processo e produto. No que diz respeito às características específicas da ED, procura-se ainda a coerência entre o que é o desenvolvimento e o que é a educação para o desenvolvimento. Este fundamento está, claro, dependente daquilo que se pensa que deve ser o desenvolvimento.

As diferenças entre as várias “educações para…” também não são encontradas ao nível dos princípios que as norteiam: justiça e equidade social, solidariedade, cooperação, co-responsabilidade, diálogo, participação. No entanto, poderão estar nos temas tratados, no peso relativo e na centralidade que ocupam em cada uma delas. Se uma das características da ED é a sua transdisciplinaridade, ela também o é em outras “educações para…”. Entram, assim, na sua vasta lista de conceitos e conteúdos a ligação local/global, o conceito de desenvolvimento e de desenvolvimento sustentável, a cooperação para o desenvolvimento e a ajuda humanitária, a cidadania global, a interculturalidade, os direitos humanos, a inclusão social, as questões ambientais, de género, de consumo sustentável ou do comércio justo, por exemplo.

Esta análise dos aspectos específicos da ED e dos aspectos comuns às outras “educações para…” pode resumir-se na seguinte tabela:

Aspectos comuns:

  • Processo de aprendizagem com base em valores que se comprometem com a formação integral das pessoas.

  • Princípios: justiça e equidade social, solidariedade, cooperação, co-responsabilidade, diálogo, participação.

  • Objectivo geral: transformação social.

  • Âmbitos educativos: educação formal, não formal e informal.

  • Metodologias: priveligia a participação, a horizontalidade, a construção coletiva e cooperativa do conhecimento e da acção.

  • Coerência entre teoria e prática, entre conteúdo e forma, entre processo e produto.

  • Transdisciplinaridade.

Aspectos específicos:

  • Centralidade conferida às realidades e percepções do Sul ou das periferias num sistema de interdependência Norte-Sul e/ou centro-periferia.

  • Objectivos específicos:

    • Explicitação das causas estruturais dos problemas globais e locais, das desigualdades e das injustiças.

    • Questionamento do desenvolvimento, tanto na sua vertente teórica como prática.  


40 - Burns, R., Aspeslagh, R. (eds.) (1996), Three Decades of Peace Education around the World: An Anthology, Nova Iorque, Garland.
41 - CIDAC (2004), “Educação para o Desenvolvimento – Ficha Formativa n.º4”, Plataforma Portuguesa das ONGD, Abril.
42 - Sauvé, L. (2002), L'éducation relative à l'environnement: possibilités et contraintes, Connexion, v. XXVII, n. 1/2, pp. 1-4.
43 - Comissão Nacional da UNESCO (2006), “Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (2005-2014) – Contributos para a sua dinamização emPortugal”, p. 9, disponível em http://www.unesco.pt/pdfs/docs/LivroDEDS.doc.
44 - Cotrim, A. (coord.) (1995), Educação Intercultural: Abordagens e Perspectivas, Lisboa, Secretariado Entreculturas.
45 - http://www.entreculturas.pt/DiarioDeBordo.aspx?to=214
46 - “Maastricht Global Education Declaration”, 15-17 de Novembro de 2002.
47 - Centro Norte-Sul do Conselho da Europa (2008), Global Education Guidelines. Concepts and Methodologies on Global Education for Educators and Policy Makers.
48 - CIDAC (2007), Um convite a olhar e a transformar o mundo, disponível em http://www.cidac.pt/EducacaoCidadaniaGlobal.pdf

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